Por Pedro Nascimento Araujo
Há alguns anos, a Farra do Boi é proibida no Brasil. Todavia, durante mais de 200 anos, em algumas cidades de Santa Catarina, bovinos foram torturados e mortos por populares. Uma das teorias mais aceitas sustenta que a Farra do Boi tinha origem e inspiração em um evento religioso: a malhação de Judas, que ocorre no Sábado de Aleluia, durante a Paixão de Cristo. De qualquer modo, independentemente da origem, durante a Farra do Boi os animais eram torturados impiedosamente enquanto a sociedade como um todo parecia não se incomodar muito com isso. Somente na década de 1980, com os protestos cada vez mais intensos, a tradição catarinense, supostamente de origem açoriana, passou a ser conhecida do grande público e a gerar indignação, culminando com sua total proibição pelo Supremo Tribunal Federal em 1997, embora continue sendo praticada às escondidas, como demonstram recorrentes ações policiais visando reprimi-la.
Assim também é com a corrupção na Região Serrana. Mais uma vez, o dinheiro que é disponibilizado para mitigar os sofrimentos e melhorar a vida da população é roubado por políticos inescrupulosos, num episódio que bem poderia ser chamado Farra da Tragédia. A estes canalhas não simplesmente não importa que pessoas continuem sofrendo ou correndo risco de morrer. Assim como os participantes da Farra do Boi não se incomodam com o sofrimento que infligem aos animais, tais políticos simplesmente não se incomodam com o sofrimento que infligem ao roubar os recursos destinados a melhorar a vida do povo. Mas há razões para afirmar que o tempo de Farra da Tragédia pode estar chegando ao fim.
Após as tragédias decorrentes das chuvas no início do ano, as cidades da Região Serrana receberam verbas estaduais, federais e até internacionais, bem como doações diversas da sociedade, para reconstrução e solução de fatores de risco, bem como amparo àqueles que sofreram danos. Até aí, nenhuma novidade – isso sempre ocorreu. E, como sempre ocorreu, os políticos da região apropriaram-se indevidamente dos valores. A diferença foi a reação da sociedade.
De fato, nunca houve vigilância tão grande sobre o destino de verbas como agora. Entidades civis e até mesmo órgãos estatais escrutinam cada centavo utilizado. As denúncias acumulam-se e, com isso, a Farra da Tragédia fica cada vez mais difícil de ser perpetrada. Prefeitos afastados, esquemas denunciados, secretários presos e execração pública recaindo sobre os políticos. Não, os políticos não mudaram. A sociedade mudou. O povo não aceita mais os desmandos e roubalheiras de antanho. Eles apenas não haviam percebido isso. Agora, como seres extremamente adaptáveis que são, rapidamente mudarão – não por vontade própria, mas por puro e simples instinto de sobrevivência.
Mérito nossos. Quanto mais vigilantes formos, menos espaços haverá para maus políticos. A corrupção é um dos males do ser humano, assim como muitos outros. Se deixada sem controle, grassa. Porém, se combatida incansavelmente, deixa de ser opção rentável e pouco arriscada e, com isso, perde atratividade. A Farra do Boi não acabou porque seus participantes tornaram-se solidários com os animais, mas sim porque a sociedade passou a não ser mais tolerante para com os participantes da Farra do Boi. A Farra das Tragédias, aparentemente, segue o mesmo roteiro: a sociedade está menos tolerante, o que reduzirá, cada vez mais, os espaços que os participantes da Farra das Tragédias terão para perpetrar suas canalhices. Essa vitória, ainda que parcial e frágil, é de todos nós.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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