Por Pedro Nascimento Araujo
Semana passada, a presidente Dilma Rousseff fez algumas declarações que, por mais eivadas de boas intenções que estivessem, soaram mal. Refiro-me aos conselhos que a chefe de estado do Brasil deu aos países europeus sobre como sair da crise.
A presidente, economista de formação, usou um tom por demais professoral para um chefe de estado diante de seus pares. Afinal, nunca é demais lembrar que um dos dogmas da diplomacia é o chamado "Par in Parem Imperium Non Habet" - ou seja, nenhum estado tem poder sobre outro estado, seu semelhante. Por isso, sempre há o cuidado de não deixar a mínima margem para o que quer que seja dito possa ser interpretado como violação de sobrerania, ainda que de forma indireta. Não fosse suficiente ruim o tom da presidente, que além de professoral parecia querer a toda hora lembrar a União Europeia que eles estão em crise e o Brasil está bem, ela ainda cometeu o disparate de querer aconselhar os europeus a usar a política fiscal como meio de estimular o crescimento. Foi a conta para uma leve deselegância virar motivo de escárnio.
O escárnio é compreensível. Atentem para o absurdo da situação: pode o Brasil, país frequentemente citado como exemplo de irracionalidade, sonegação, evasão e caos tributário, que recentemente promoveu um aumento de impostos diferenciado para automóveis importados, ficar à vontade para criticar os rígidos, previsíveis, lógicos, honestos e racionais sistemas dos países europeus? Evidentemente, o Brasil faria muito melhor se aprendesse coms os europeus como livrar-se do nefasto "Custo Brasil".
Mas isso não significa que, em outras áreas, a Europa não possa aprender conosco. Afinal, embora a presidente Dilma Rousseff não tenha mencionado o assunto, o Brasil tem uma experiência relativamente recente reconhecida mundialmente como exitosa: a renegociação das dívidas de Estados e municípios, ocorrida ainda na década de 1990. Através dela, Estados e municípios tiveram suas dívidas trocadas por papéis da União, que os refinanciou com prazos de 30 anos (uma operação conhecida como "tag along") e ficou com os repasses de verbas que teria que fazer como garantia de pagamento. Por seu turno, Estados e municípios foram obrigados a sanear suas finanças e parar de emitir títulos. Isso é exatamente o que a Zona do Euro mais precisa: que seus estados-membros parem de emitir dívida.
A lógica é simples. Cada vez que Grécia, Irlanda, Portugal etc. aumenta sua dívida via emissão de títulos, na prática o que esses países fazem é imprimir euros. Com isso, afetam a cotação do euro em outros países. Mas isso não é o pior. O comportamento perdulário da Grécia, por exemplo, não levará somente os gregos para a bancarrota. Os alemães também verão sua moeda, o sucessor do Deutsche Mark que eles toparam continentalizar, ser afetada. O fato é que não é possível manter estabilidade da moeda quando cada agente decide a quantidade de moeda que emitirá. Os países da Zona do Euro precisam de uma longa negociação como a que o Brasil teve. Uma negociação que reconheça que foi um erro permitir que cada país aja individualmente. Uma negociação que leve os países da Zona do Euro a comprar as dívidas podres de seus membros e trocá-las por títulos fortes de longo prazo - um "tag-along" - que terão como garantia os próprios repasses que a União Europeia faz a tais países. Uma negociação que garanta que tais países jamais emitirão dívida novamente, ficando somente a cargo do Banco Central Europeu tal prerrogativa. E, por fim, vincular os dirigentes dos países-membros a metas de responsabilidade fiscal, como o Brasil fez com a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Em outras palavras, a Zona do Euro é uma união monetária, mas não uma união de políticas monetárias. Durante mais de uma década, os desequilíbrios foram sendo acumulados e mascarados, principalmente por conta da robustez alemã. O tempo passou. As nações da Zona do Euro precisam decidir o que querem ser na prática. Se consideram que uma LRF seria aviltante demais para as soberanias individuais, então desfaçam-se do euro e retornem às velhas moedas. O que não é possível é os países agirem como se independentes fossem, mas mantendo uma moeda comum. Todavia, se querem ser uma unidade econômica, precisam agir como uma só nação em termos de política econômica, o que implica proibir seus membros de tomar decisões que afetem a todos, como a emissão unilateral de dívida pública. E eis o ponto no qual o Brasil tem uma experiência única no mundo.
A presidente, economista de formação, usou um tom por demais professoral para um chefe de estado diante de seus pares. Afinal, nunca é demais lembrar que um dos dogmas da diplomacia é o chamado "Par in Parem Imperium Non Habet" - ou seja, nenhum estado tem poder sobre outro estado, seu semelhante. Por isso, sempre há o cuidado de não deixar a mínima margem para o que quer que seja dito possa ser interpretado como violação de sobrerania, ainda que de forma indireta. Não fosse suficiente ruim o tom da presidente, que além de professoral parecia querer a toda hora lembrar a União Europeia que eles estão em crise e o Brasil está bem, ela ainda cometeu o disparate de querer aconselhar os europeus a usar a política fiscal como meio de estimular o crescimento. Foi a conta para uma leve deselegância virar motivo de escárnio.
O escárnio é compreensível. Atentem para o absurdo da situação: pode o Brasil, país frequentemente citado como exemplo de irracionalidade, sonegação, evasão e caos tributário, que recentemente promoveu um aumento de impostos diferenciado para automóveis importados, ficar à vontade para criticar os rígidos, previsíveis, lógicos, honestos e racionais sistemas dos países europeus? Evidentemente, o Brasil faria muito melhor se aprendesse coms os europeus como livrar-se do nefasto "Custo Brasil".
Mas isso não significa que, em outras áreas, a Europa não possa aprender conosco. Afinal, embora a presidente Dilma Rousseff não tenha mencionado o assunto, o Brasil tem uma experiência relativamente recente reconhecida mundialmente como exitosa: a renegociação das dívidas de Estados e municípios, ocorrida ainda na década de 1990. Através dela, Estados e municípios tiveram suas dívidas trocadas por papéis da União, que os refinanciou com prazos de 30 anos (uma operação conhecida como "tag along") e ficou com os repasses de verbas que teria que fazer como garantia de pagamento. Por seu turno, Estados e municípios foram obrigados a sanear suas finanças e parar de emitir títulos. Isso é exatamente o que a Zona do Euro mais precisa: que seus estados-membros parem de emitir dívida.
A lógica é simples. Cada vez que Grécia, Irlanda, Portugal etc. aumenta sua dívida via emissão de títulos, na prática o que esses países fazem é imprimir euros. Com isso, afetam a cotação do euro em outros países. Mas isso não é o pior. O comportamento perdulário da Grécia, por exemplo, não levará somente os gregos para a bancarrota. Os alemães também verão sua moeda, o sucessor do Deutsche Mark que eles toparam continentalizar, ser afetada. O fato é que não é possível manter estabilidade da moeda quando cada agente decide a quantidade de moeda que emitirá. Os países da Zona do Euro precisam de uma longa negociação como a que o Brasil teve. Uma negociação que reconheça que foi um erro permitir que cada país aja individualmente. Uma negociação que leve os países da Zona do Euro a comprar as dívidas podres de seus membros e trocá-las por títulos fortes de longo prazo - um "tag-along" - que terão como garantia os próprios repasses que a União Europeia faz a tais países. Uma negociação que garanta que tais países jamais emitirão dívida novamente, ficando somente a cargo do Banco Central Europeu tal prerrogativa. E, por fim, vincular os dirigentes dos países-membros a metas de responsabilidade fiscal, como o Brasil fez com a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Em outras palavras, a Zona do Euro é uma união monetária, mas não uma união de políticas monetárias. Durante mais de uma década, os desequilíbrios foram sendo acumulados e mascarados, principalmente por conta da robustez alemã. O tempo passou. As nações da Zona do Euro precisam decidir o que querem ser na prática. Se consideram que uma LRF seria aviltante demais para as soberanias individuais, então desfaçam-se do euro e retornem às velhas moedas. O que não é possível é os países agirem como se independentes fossem, mas mantendo uma moeda comum. Todavia, se querem ser uma unidade econômica, precisam agir como uma só nação em termos de política econômica, o que implica proibir seus membros de tomar decisões que afetem a todos, como a emissão unilateral de dívida pública. E eis o ponto no qual o Brasil tem uma experiência única no mundo.
Experiência em criar responsabilidade fiscal com agentes que reiteradamente a ignoravam: isso é que nos diferencia. Se a presidente Rousseff tivesse oferecido ajuda naquilo que o Brasil tem de melhor na área econômica (a experiência na passagem de perdulário internacional para exemplo de responsabilidade fiscal) ao invés de oferecer aquilo que temos de pior (nossa organização tributária) e o tivesse feito da maneira elegante - ou seja, a portas fechadas, com todo o sigilo que uma reunião desse tipo exige, sem comentários posteriores, mas abrindo caminho para que técnicos de ambos os lados mantivessem contatos estreitos - o Brasil teria agido com grandeza memorável.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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