Por Pedro Nascimento Araujo
Em Março de 2013, três décadas
após a invasão argentina às Ilhas Falklands que ensejou a curta guerra vencida
pelos britânicos em 1982, 98% (crueldade matemática: noventa e oito por cento,
se arredondados, equivalem a 100%, não a 95%) dos kelpers, habitantes locais,
expressaram seu desejo de continuar associados ao Reino Unido por meio de um
referendo. Por mais estranho que possa parecer, isso cria um embaraço
diplomático para o Brasil.
Na verdade, cria um embaraço
diplomático apenas porque o Brasil escolheu ficar do lado errado da disputa.
Enquanto a conversa versa apenas sobre extensões de terra desabitadas, todos os
pleitos são legítimos até que se prove o contrário. Assim, a demanda argentina
poderia ser defendida pelo Brasil sem gerar constrangimentos maiores; porém,
quando há população na extensão de terra em disputa, entra em cena uma das
poucas Normas Imperativas (Jus Cogens) do Direito Internacional: o direito à
autodeterminação dos povos. Quando os kelpers deram seu esmagador veredito de
98%, qualquer ação para tentar impedi-los de exercer sua autodeterminação é
imediatamente ilegítima.
Evidentemente, não estamos
falando aqui de uma ação militar argentina: isso está fora de cogitação
simplesmente porque, nessas 3 décadas, o país conseguiu a triste proeza de
afundar ainda mais economicamente e militarmente, tornando-se uma caricatura da
grande nação sul-americana que, no início do Século XX, nada deixava a dever
aos países mais ricos do mundo. Estamos falando de uma ação prosaica, ridícula
e inócua que é apoiada pelo Brasil no âmbito do Mercosul: navios com a bandeira
das Ilhas Falklands estão, desde 2011, proibidos de parar em portos do Mercosul
– na prática, Brasil e Argentina – para atender a um capricho platino.
Trata-se de uma ação que, além de
não contribuir em nada para com a imagem internacional do Brasil como país que
respeita a autodeterminação dos povos e que não discrimina nações no cenário
internacional, ainda nos prejudica em termos materiais: Nigel Haywood,
Governador das Ilhas Falklands, se queixa de o Brasil não estar nem ajudando os
ilhéus a explorar seus recursos de petróleo nem negociando ou fazendo turismo com
eles. Traduzindo: o Brasil está perdendo oportunidades de negócios empresas
brasileiras nas Ilhas Falklands para afagar uma bandeira de política interna de
sucessivos governos da Argentina, um vizinho que não tem feito outra coisa a
não ser tolher oportunidades de negócios para empresas brasileiras por meio de
barreiras não tarifárias no Mercosul, rasgando o Tratado de Assunção sob
muxoxos inócuos de Brasília.
O referendo é uma daquelas ótimas
oportunidades que temos de nos livrarmos de um incômodo a mais em uma relação
que tem sido sofrível desde o início da década de 2000. Se a diplomacia pátria
quiser, os 98% são a ocasião perfeita para se negar a continuar apoiando o
irreal – e agora ilegal – pleito argentino de soberania sobre as Ilhas
Falklands: basta citar o princípio da autodeterminação dos povos, o mesmo que
foi invocado, há 2 séculos, quando brasileiros e argentinos formaram suas
nações. Abramos nossos portos aos navios dos kelpers e façamos negócios com
eles e, por tabela, com o Reino Unido. Aliás, adotemos de vez o nome pelo qual
eles querem ser chamados: Ilhas Falklands, por favor. Chega de perder
oportunidades em nome de um parceiro que nos tem fechado a porta de seu
mercado. Se a Argentina não quer respeitar o Direito Internacional ao não reconhecer
a autodeterminação das Ilhas Falklands, que o faça sozinha. Se a Argentina quer
perder oportunidades comerciais ao não negociar com as Ilhas Falklands, que o
faça sozinha. A Argentina está se afundando. Sempre que pedir ajuda, nós
jogaremos a boia, mas chega de pular na água: decididamente, não precisamos de
mais abraços de afogado.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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